quarta-feira, 3 de março de 2010

Novas determinações aos contribuintes para 2011

O artigo abaixo reflete a opinião de um Procurador da República em Santa Catarina, Celso Antônio Três, e foram extraídas do Blog do Fred (http://www.blogdofred.folha.blog.uol.com.br/), refletindo a novel determinação fiscal aos contribuintes, que "delatem" de quem, como, quando e quanto receberam de seus clientes pelos serviços profissionais prestados, a fim de tapar mais um buraco.
Sinceramente, eu nunca tinha visto uma crítica ao Estado, feita abertamente por um de seus próprios membros, defensores.
A bem da verdade é que estamos acostumados a ver os nobres procuradores dotados daquilo que chamo de "vício de profissão", ou seja, por serem acostumados a olhar com "os olhos do fisco", a voracidade quanto à própria forma arrecadatória também seria inerente, vendando-se os olhos ao verdadeiro horizonte dos pobres mortais, os contribuintes (e não, evidentemente, os sonegadores).
A conclusão é a de sempre: enquanto não houver respeito aos contribuintes, resguardando energia que sobra para aqueles que de fato a mereçam, como corolário da tão-sonhada "justiça fiscal", haverá sempre a sensação de dever não-cumprido, de tempo perdido, e o pior: a de que o contribuinte deve sempre pagar, para apenas depois discutir o débito e seu fundamento.

Celso Três: "Fisco devassa castelo da cidadania"


Sob o título "Declaração de serviços médicos: pé na porta do Fisco no asilo domiciliar da cidadania", o artigo a seguir é de autoria do Procurador da República Celso Antonio Três, de Santa Catarina:


Para 2011, a Receita Federal exige que os profissionais da saúde(médicos, psicólogos, odontólogos, clínicas, hospitais, etc.) declarem ao Fisco a identidade(nome, CPF, etc.) e os valores recebidos de clientes ("Declaração de Serviços Médicos"), objetivando cruzamento/fiscalização eletrônica com as deduções declinadas pelos contribuintes do imposto de renda.

O Estado-Tributário Brasileiro é síntese de perversidades.

Patrocina inigualável impunidade dos sonegadores.

A persecução penal está subordinada ao exaurimento da tramitação administrativa, sendo que a interposição de recursos no Executivo não pode exigir qualquer garantia, a exemplo de depósito parcial do tributo evadido, caução de bens etc. (STF, súmulas vinculantes nº 21 e 24).

Em Brasília, apenas de autuações com apontamento de crime fiscal, são mais de 40 mil processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (Ofício nº 076/09.04.09, subscrito por Carlos Alberto Freitas Barreto, Presidente do CARF).

Vencido esse tenebroso périplo, ainda urge vencer as fases do inquérito policial e ação penal. Sabido que antes do trânsito em julgado definitivo, incluídas as instâncias extraordinárias do STJ e STF, não é dado exigir o cumprimento da pena (STF, órgão plenário, Informativo do STF nº 535), impossível sanção por sonegação antes de uma década entre o fato e a punição. Entrementes, também impossível que nesse interregno não advenha anistia ampla, geral e irrestrita aos infratores, extinguindo a punibilidade, inclusive dos condenados, mediante arremedo de parcelamento do débito (Governo Lula: Leis nº 10.684/03, 11.345/06, 11.941/09).

E quais os critérios do Fisco para fiscalizar ou não?!

"Fisco 'blinda' grandes grupos em ano eleitoral". Portaria sigilosa centraliza controle das auditorias em Brasília e reduz autonomia dos fiscais. Portaria RFB/Sufis, 23.12.09, sujeita à exclusiva deliberação da cúpula da Receita Federal - impedindo a atuação 'ex officio' das autoridades fiscais das localidades onde sediadas as pessoas - a fiscalização ou não dos grandes contribuintes, pessoas jurídicas com faturamento bruto em 2008 a partir de R$ 80 milhões e pessoas físicas com rendimento superior a 1 R$ milhão (Folha de S. Paulo, 21.02.10).

Paralelamente, o Estado-Fiscal é ignominiosamente injusto.

Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - órgão do Ministério da Fazenda) e do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) demonstrou que empregado paga mais tributo direto que o patrão. O patrão contribui com 32,6% sobre a empresa e o empregado com 68,4% sobre sua renda (Folha de S. Paulo, 04.07.05). Na prática, porém, a diferença é ainda maior, sabido que os empresários/executivos inserem nos custos da empresa despesas pessoais.

Também estudo do Ipea, baseado em dados de 2002 e 2003, aponta que, entre as pessoas físicas, os 10% mais pobres consomem 32,8% de sua renda em impostos(16% de ICMS indireto, incidente sobre seu consumo; 1,8% de IPTU, etc.) enquanto os 10% mais ricos gastam 22,7% da sua renda em tributos(5,7% de ICMS e 1,4% de IPTU - Folha de S.Paulo, 16.05.08).

Pior.

O cidadão paga em tributos por serviços públicos dele sonegados.

Classe média - rendimento familiar entre R$ 3 mil e R$ 10 mil - gasta 1/3 da renda com serviço. Familias destinam 116 dias de trabalho por ano para comprar serviços privados que o Estado deveria fornecer com eficiência, quais sejam, saúde, educação, segurança, previdência e pedágio (Folha de S. Paulo, 13.09.07, reportando estudo do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).

Além de tudo, o Fisco é desidioso, preguiçoso.

'À la' regimes totalitários que disseminam a delação recíproca entre os cidadãos – ditadura militar brasileira que aquinhoava delatores de opositores ao regime nos diversos meios, a exemplo do cultural, artístico, acadêmico, jornalístico, etc. -, impõe que as pessoas fiscalizem umas as outras, cumprindo múnus da Fazenda Pública.

Lei nº 9.779/99, “verbis”:

“Art. 16. Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.”

Baseada nesse outorga indiscriminada, a Receita Federal edita toda sorte de normas infralegais(portarias, instruções normativas, etc.) obrigando prestação de informações pessoais, inclusive de terceiros, adentrando à intimidade alheia(v.g., dados do cônjuge/companheiro, pagamentos a advogados, arquitetos etc.).

Abusiva a imposição: a) não consta de lei, apenas normas sublegais; b) extrapola o dever do contribuinte, qual seja, declinar sobre sua renda, não a das demais pessoas; c) viola a intimidade/vida privada; d) excede a razoabilidade/proporcionalidade.

Constituição, art. 145, §1º, 'verbis':

"Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

Entre os direitos individuais/fundamentais, está a proteção da intimidade/vida privada (relação médico-paciente, valendo lembrar que a matéria é sigilo profissional, imune, inclusive, ao dever de testemunho judicial), o asilo domiciliar e o limite da razoabilidade/proporcionalidade na imposição de ônus aos cidadãos pelo Estado (art. 5º, X, XI e LIV da Constituição).

Direitos fundamentais não são outorgados pelo Estado. Imanentes ao ser humano, por ele apenas são declarados. São as liberdades públicas, declarações de direitos.

O asilo domiciliar (art. 5º, XI, da Constituição), direito fundamental dos mais caros, teve seu reconhecimento na Inglaterra, 1.604, antológica defesa no Parlamento Britânico, Lord Chatam, resultando no hoje instituto do 'castle doctrine' ou 'dwenlling defense' (direito de defesa do domicílio, mesmo através da violência do direito norte-americano),'verbis':

"O mais pobre dos homens pode desafiar na sua cabana as forças da Coroa. Embora a moradia ameace ruína, ofereça o teto larga entrada à luz, sopre o vento através das frinchas, a tempestade faça de toda casa o seu ludíbrio, nada importa: acha-se garantida a choupana humilde contra o Rei da Inglaterra, cujo poder vai despedaçar-se contra aquele miserável reduto' (Nelson Hungria, “Comentário ao Código Penal”, Forense, 1945, Volume VI, p. 189).

No Brasil, sabe-se que a garantia claudica quando alvo os despossuídos. Comum a imprensa documentar devassas da polícia em favelas, a busca de armas e drogas, adentrando domicílios sem qualquer mandado judicial.

Todavia, a garantia do domicílio não reporta-se apenas ao ingresso físico na casa. Bem mais que isso, ela é um limitador à intromissão do Estado nas questões íntimas, recônditas ao lar.

No Direito de Família, quanto o Estado pode normatizar? A Receita Federal, como sói acontecer por ato infralegal, no imposto de renda, buscando combater a evasão, que dados pode exigir (renda de terceiros, que não a do declarante, como da companheira, filhos, etc. – contratação de serviços pessoais, muitas vezes de natureza íntima, “acompanhantes")?

Portanto, são inúmeras as situações onde o Príncipe-Legislador viola o asilo domiciliar!

Aqui, exigindo dos prestadores a delação de serviços médicos, o Fisco, ao mais grotesco estilo da polícia que espezinha os elementares direitos individuais mercê de Estado totalitário, pedalou (arrombou) a porta do domicílio/casa, devassando o castelo da cidadania."

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