quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Um novo modelo para o Supremo Tribunal Federal

O artigo abaixo transcrito demonstra, com boa clareza, a indignação pela qual os profissionais do direito são obrigados a conviver diariamente no exercício de sua profissão, em razão dos mais diversos mecanismos políticos criados para não apreciar o direito em sua real substância, e em nome das mais variadas súmulas obstativas de apreciação recursal.
Ainda que se trate meramente de matéria de fato ou de provas, ou ainda de revisão de cláusulas contratuais, o fato é que a  proteção maior prevista constitucionalmente - a guarda e proteção de direitos em nome do povo, do cidadão -  deixa de ser observada, dia após dia, em nome de uma inversão total dos valores originalmente postos, onde aquele que deveria ser o titular de direitos, passa a ser titular de direito algum, seja porque o magistrado de primeiro grau apreciou mal a questão posta, seja porque os Colendos Tribunais Superiores, considerando tais mecanismos, recusam a apreciação necessária do tema, e por conseguinte, o próprio direito inerente, ainda que ali escondido.

Por isso, entendo que o problema não se trata apenas de aumento físico, de julgadores dispostos a aplicar o direito, mas também de efetivamente "dizer o direito" como qual requer o cidadão e como reclama a própria Carta Republicana.

O texto a seguir, sob o título "Por um novo STF", o artigo a seguir é de autoria de Marco Túlio de Carvalho Rocha, Procurador do Estado de Minas Gerais (*). Foi publicado originalmente no jornal "Estado de Minas".

"A Constituição de 1988, com o objetivo de reduzir o número de processos a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF), criou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e atribuiu-lhe o controle da aplicação da legislação federal. O novo tribunal não colaborou para a diminuição do número de processos em tramitação no STF: em 1987, o Supremo julgou 20.122 casos; em 2008, 123.641. A criação do STJ triplicou as vias recursais. Em lugar do tradicional recurso extraordinário, em que eram ventiladas violações às leis federais e à Constituição, passaram a coexistir o recurso extraordinário e o especial, além da possibilidade de interposição de outro recurso extraordinário contra a decisão que julga o recurso especial.

Ante o volume de serviço, o STJ especializou-se na criação de obstáculos processuais, transformando em regra a necessidade de interposição de embargos declaratórios, de agravos de instrumento visando à remessa de recursos especiais, de agravos regimentais e de embargos de divergência. Esses os meios processuais que a prática judiciária brasileira acabou por vulgarizar. A principal função do STJ é a uniformização da jurisprudência sobre a legislação federal. Ao deixar de exercê-la, as instâncias inferiores perdem um dos mais importantes parâmetros de atuação, cresce a insegurança jurídica e o arbítrio.
O STF foi criado em 1891, composto por 15 ministros. O Brasil tinha menos de 15 milhões de habitantes e a taxa de alfabetização entre maiores de 15 anos era de 35%. Premido pelas circunstâncias, o STF esforça-se por diminuir o número de processos a seu cargo, com a criação de súmulas vinculantes e a exigência de demonstração de repercussão geral nos recursos extraordinários. Inspira-se na Constituição norte-americana  que é, no entanto, concisa, de estilo liberal, versa somente sobre a organização do Estado e princípios. Diferentemente, a Constituição brasileira é prolixa e chega a conter verdadeiros códigos de direito administrativo, previdenciário e de execução penal. Conclui-se pela necessidade de a Reforma do Judiciário incluir ampla reformulação dos tribunais superiores.
Sugerimos que o STJ seja incorporado pelo STF; que a atual composição do STF passe à condição de Corte Superior do novo STF, com competência para o exercício do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.
O STJ é composto por 33 ministros. Esse número deveria ser, pelo menos, triplicado, passando a cerca de uma centena de ministros do novo STF, não pertencentes à Corte Superior. Às turmas do novo STF caberia o controle da constitucionalidade e da legalidade nos casos concretos, dentro da nossa tradição judiciária.
A incorporação extinguiria os numerosos recursos que atualmente são interpostos para o STF contra decisões do STJ e terminaria com as dúvidas sobre os parâmetros que ambos devem seguir nas decisões, pois, embora o STF tenha formalmente competência para o exame de matéria constitucional e o STJ, para o da matéria relativa à legislação federal, necessariamente, o primeiro acaba por fixar a interpretação da legislação federal e o segundo por interpretar a Constituição.
Para acelerar o ritmo dos julgamentos deve-se aumentar a vazão da máquina judiciária, não o trajeto que os processos têm de percorrer."
(*) O autor é Procurador do Estado de Minas Gerais, Conselheiro da OAB-MG
Mestre e doutor em Direito Civil pela UFMG e Professor do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

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